Ontem, voltando do almoço, vi um carro dos bombeiros à porta do prédio, retirando uma senhora numa cadeira de rodas.
À noite, por mensagem, a síndica contou que ela havia morrido.
Lembrei a imagem: a mulher pequena, muito velha, lúcida, conversando com o zelador e os bombeiros enquanto a carregavam escada abaixo até a maca e o carro para ir ao hospital. Não parei para olhar por mais que uns segundos. A situação estava sob controle, não precisavam de mim ali.
A falecida tinha 97 anos. Teve um infarto, mas, sabendo o que viria, deu tempo de escolher a roupa que usaria no velório. Era muito limpa e vaidosa, contou o zelador, e morou aqui por cinquenta anos. Espero que, além de longa, sua vida tenha sido boa.
Não a conheci, mas já devo tê-la visto. O prédio é grande e antigo, e parte das moradoras, ainda mais antiga, se reúne num banco ao lado do portão, quando não chove, para prosear. Talvez ela estivesse entre essas pessoas. Moro aqui há pouco mais de dois anos e é a segunda pessoa a morrer só no meu bloco.
Hoje cedo a síndica perguntou: como ela não está na cidade e a administradora do condomínio não abre aos domingos, será que eu poderia fazer a nota de falecimento para colar na porta do prédio e nos elevadores, avisando aos moradores onde e quando será o velório? Não tenho impressora, expliquei, terá que ser à mão. Serviu.
Antes de escrever, confirmei na internet o endereço do cemitério. E descobri, fascinada, que existem arranha-céus para os mortos, o maior deles aqui mesmo, em Santos.
Em seu site, o Memorial Necrópole Ecumênica se anuncia como o cemitério vertical mais alto do mundo, registrado no Guinness Book desde 1991. À primeira vista, parece um condomínio comum, a única torre numa rua de casinhas antigas, térreas, amuralhadas por um morro coberto de floresta. São “40 mil m² de área, 90% mata atlântica nativa preservada”, diz o site, que tem um chat para tirar dúvidas.
Reconheci a estranheza da pergunta e a fiz mesmo assim: parece bonito, posso visitar em circunstâncias felizes?
Posso. “Venha conhecer nosso museu de carros antigos.”
Meu “rolê trevoso no cemitério” acaba de ser redefinido.