Vivendo mais com menos.

Diário de viagem, parte… não sei. Afinal, quem está contando?

A janela e o mundo.

A janela e o mundo.

Quando morava em São Paulo, vivia em um apartamento alugado de 2 quartos. O amplo corredor fazia eco; eu odiava. Tinha dormitório, escritório combinado com o do marido, sala grande para receber os amigos, fogão de quatro bocas, área de serviço com janelão, cantos mil para guardar tralhas mil que eu me dava o luxo de juntar. (Criada em casas com quintal enorme no tempo em que pagar aluguel nessa cidade era uma missão possível, eu ainda lamentava a ausência de uma varanda.)

Um mês atrás, “morei” (se é que a palavra cabe aqui) por 31 dias em Marselha. Tinha varanda, mas um quarto só. Ficava em uma ruazinha onde as pessoas estendiam roupa à vista, do lado de fora das janelas e sacadas. Hábito que nós, crianças de quintal, muito estranhamos. Acostumamos. A sala, com sofá e tudo, virou escritório. A mesa de jantar, mesa de trabalho. E a cada dia, mesmo com o grande volume de serviço, dávamos um jeito de escapar para a rua, mesmo que depois precisássemos trabalhar até tarde. Íamos para ver um mundo velho e ao mesmo tempo novo. (Senti falta de uma área de serviço onde pendurar as roupas. O varal de armar ficou no dormitório.)

Estou em Paris há 12 dias. Morando em uma quitinete. O marido trabalha na única mesa, onde não cabem dois computadores. Eu trabalho no colchão onde dormimos, mudando de pose conforme manda o corpo. Às vezes, revezamos. Jantamos sentados no colchão. Há duas bocas de fogão e um frigobar. Não há varanda. Nem sofá. Nem máquina de lavar. Roupa pequena, lavamos no balde, estendemos em um fiozinho no banheiro. Roupa grande, lavanderia pública. Eu queria uma máquina, mas a gente se vira. Porém, todo dia, qualquer que seja o volume de serviço, a gente escapa para a rua. Porque o mundo é velho, mas ainda é novo. E Paris é cara, mas não precisa ser. Andar na rua é de graça. E a cada dia há uma rua nova para ver. (Ainda sinto falta da máquina de lavar.)

O espaço privado é cada vez menor, mas é compensado pelo espaço público. Nada do que está aqui é nosso; ao mesmo tempo, tudo é. Nosso porque muito acrescenta à nossa vivência.

Vivendo cada vez mais com cada vez menos.

A cidade é nosso quintal.

Coisas boas e simples.

Coisas boas e simples.

(Não me entendam mal. Eu amo varanda, quintal e espaço privado tanto quanto qualquer outra pessoa… Mas, em Sampa, acho que geralmente se valoriza demais (e cada vez mais) o privado, e muito pouco o público. O público é lindo, gente. Merece ser limpo, respeitado e aproveitado.

Quando temos muito espaço, damos um jeito de preenchê-lo. Quando temos pouco, usamos melhor. Não acho que a minha vida atual seja de uma beleza intrínseca; ela é bela para mim, não tem que sê-lo para outrem. Ninguém precisa viver como estou vivendo ou se explicar por viver de outra forma. Quem tem uma família numerosa, com crianças e animais de estimação, por exemplo, naturalmente vai preferir um espaço maior, embora eu conheça muitas pessoas que vivem numa boa em quitinetes com seus bichinhos. Quem precisa de espaço para um ateliê ou oficina, também. E quem simplesmente gosta de espaço, ora. Mas eu estou curtindo esta vida. E cada vez menos querendo “ter” coisas. A expectativa de ter é às vezes tão frustrante que mandá-la para o inferno tem todo tipo de vantagens.)

5 comentários sobre “Vivendo mais com menos.

  1. Gosto também de fazer essa reflexão com o lance do espaço. Eu sempre morei em apartamento e sempre tive que me desfazer de coisas, das quais, às vezes, sinto falta. Eu gostaria de ter guardado alguns dos meus brinquedos, dos meus cadernos, livros então… mas há de se adaptar.

    Quanto ao espaço urbano, eu gostava muito em SP, mas enjoei, já deu tudo o que tinha que dar. Nunca morei fora daqui, mas com certeza aproveitaria se estivesse em outra cidade. Aproveite bastante!

    • Thais, agora que você falou dos brinquedos, lembrei que os meus e os das minhas irmãs estão todos, até hoje, no sótão da casa da minha mãe. Há ANOS não mexo com eles. Uma parte de mim acha que deveriam ser entregues a crianças que não têm brinquedos. Outra parte de mim não se atreve a abrir mão deles. Não só porque marcaram uma época, mas porque há alguns que nem são mais fabricados ou que mudaram muito. Eu tinha (tenho) uma verdadeira coleção de Queridos Pôneis clássicos. Mas o tempo vai passando, a vida também, e cedo ou tarde terei que decidir o que fazer com eles. Talvez doar para um museu. Rs!!!

  2. Oi Camila,
    adorei seu blog e seus textos, são de uma simplicidade nevrálgica.

    Me fez lembrar de outro tempo dos blogs, em que eram espécies de diários ou espaços para reflexões aleatórias, época em que se produzia conteúdo e não existia taaanto conteúdo circular (a ponto da gente não conseguir encontrar mais o que de fato nos interessa).

    É a primeira vez que sinto que seguir as postagens de um blog realmente me agregará algo.

    Obrigada pela generosidade de escrever 🙂

    • Isabelita,
      Seu comentário me fez ganhar o dia. De verdade.
      Escrevo pouco por aqui, porque o tempo anda curto. Mas mensagens como a sua me fazem pensar que estou fazendo alguma coisa certa.
      Muito obrigada por se manifestar!

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