Esta noite para sempre

texto de 2005

Seja meu esta noite para sempre.

Porque todo dia eu confundo seu corpo com o meu. O dedo que coça minhas costas é da sua mão. O olho que pisca em seu rosto é meu. O pêlo que nasce rebelde é de ouro no seu pescoço e de carvão na minha têmpora. Um fio sem dono. Sem propósito. Que arranco de mim – e ele sai de você.

Os versos de Neruda que martelam minha cabeça foram feitos para a mulher dele. E para você. Que é meu homem. Que ficou na minha boca como a bala de hortelã que a gente não quer que se dissolva. Ficou na minha roupa. No meu corte de cabelo. Na cor da minha barriga no verão.

Como eu fiquei em você. Estou aí. Nas escolhas do seu dia. Na sua lâmina de barbear. Na sujeira que você lavou da pele no banho.

Na sujeira.

Eu o sujei hoje. Foi vermelho e negro como o livro que não li. Foi crime e castigo como o que larguei pela metade.

Provei de mim na sua boca manchada com a cor do meu sexo. Meu dedo na sua boca. Meus fluídos passando a ser seus. Meu corpo escorregando todo cheio de você. Sangue tem quase gosto de lágrima. Fato tem quase jeito de sonho.

Enrubesço quando lembro.

Você, cachorro, vagabundo. Você me obedece. Tortura-me. Disseca-me amorosamente. Nome feio na sua boca é música. Fico querendo dançar. Você vem e faz tudo o que eu peço, tudo o que não pode, só porque eu peço, só porque não pode. Proibir é incitar. Quem mandou proibirem a gente?

Enrubesço, pode acreditar.

Vergonha de gostar do que não presta. Vergonha de achar que não presto. Como a coisa errada pode ser tão deliciosa? Não há coisa errada. Errada é a cabeça. A que nega a coisa. A coisa dentro de mim pulando sobre você. Exigindo você em mim.

Romantismo reverso. Não é hora de poesia. É hora de unhas nas costas, amor sem maquilagem, sem educação, nem estribo, nem escrúpulo.

Eu o ensinei a gostar disso. A adorar o segredo. O que fizemos não tem nome. Não tem descrição. Só gritando para entender. Só estando naquela cama, sendo eu sob você, sendo você sobre mim, atrás de mim, chamando-me puta, vadia, cadela, minha, minha, minha. Sendo sua. Sendo eu. Querendo mais. Mandando fundo.

Seja meu para sempre esta noite.

Só assim para entender.

Olhe para mim. Estou diante da janela escancarada. Eu escancarada. As cortinas voam. A cidade vive. Você me encara.

– Daqueles prédios dá para ver tudo o que a gente está fazendo.

Sou risada.

– Deixa, amor. Voyeur também é filho de Deus.

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